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Quanto custa (e quanto valeria) um povo aprender a língua de outro?

28/05/2013 12:12

Por Afonso Camboim

“Alguém já perguntou se o Bill Clinton fala português?”

Luiz Inácio Lula da Silva

(Em resposta a um certo pressuposto de que um presidente brasileiro teria de saber falar inglês)

A começar pelo título (e pela epígrafe), este é um artigo de perguntas, mais que de respostas. Num mundo em que "nada vem de graça", tudo é vendido ou comprado, por que será que não se cogita sobre o custo (e muito menos sobre o valor) de um país inteiro, como o Brasil, estudar uma determinada língua estrangeira? O que significa um povo aprender a língua de outro – e sem reciprocidade? Esse não é o mais acabado exemplo de investimento no patrimônio alheio?

O que o Brasil acha que está fazendo ao reservar quase toda a sua juventude, década após década do pós-guerra (porque antes as línguas estrangeiras hegemônicas foram outras), como mercado cativo para exploração da “indústria” da anglofonia? Quanto sai do bolso dos brasileiros, de forma direta e indireta (livros didáticos, direitos autorais, formação de professores, tempo...) para bancar o estudo da língua dos ingleses/estadunidenses, e quanto se evade do País em decorrência dessa “opção”? Esse “bem” que compramos cotidianamente e em massa, compulsoriamente, tem valor intrínseco, ou quase todo o “seu valor” é agregado artificialmente, inflacionado pelo sistema educacional/institucional brasileiro, na forma de conteúdo obrigatório para aprovação em escolas públicas e em concursos públicos? Que tipo de “prejuízo” sofre o estudante norte-americano, por exemplo, quando sua completa ignorância do nosso português não o elimina ou desqualifica em coisa nenhuma no seu país?

Não é a língua o principal meio pelo qual se propagam a cultura e todos os demais produtos de consumo oriundos de um povo? Aprender a língua de um povo não é tornar-se espectador dele ou torná-lo foco preferencial de atenção? E isso não é qualificar-se especialmente como consumidor dos produtos desse povo? “Investir” nessa “qualificação” não equivale a pagar para ser cliente ou a comprar ingresso para entrar no supermercado? Um mínimo de noção de direito do consumidor não impeliria ao oposto, ou seja, a exigir contrapartida pela escolha e fidelidade? Não caberia, pois, ser de algum modo “vendido” o direito para que determinada língua estrangeira fosse ensinada a determinado povo? Ou nossa fidelidade tão duradoura e massiva, tão oficialmente promovida, não tem valor nenhum, a ponto de, pelo contrário, precisarmos aplicar dinheiro público nela? Por que nos obstinamos em comprar, apenas, um produto que em si pressupõe um componente valioso que poderíamos vender?

Quanto custa a comodidade de um cidadão ou um governo poder acessar os outros na sua própria língua? Que nível de vantagens fica tacitamente conferido em todas as formas de transações e intercâmbios? Por que um povo deve pagar, “investir”, a fim de garantir a outro tão inquestionável privilégio? Não são os privilégios, num contexto civilizado, comprados ou devidamente conquistados? Que estudante brasileiro concedeu ao governo o direito de oferecê-lo (com ônus ao governo e ao estudante) como receptáculo de determinada língua/cultura estrangeira? Se cabe admitir privilégios nessa área, por que não buscar garanti-lo ao português – o que tanto nos beneficiaria? Por que não estabelecer, pelo menos, um pacto de reciprocidade, do tipo “eu estudo a sua língua se você estudar a minha”? Por que não combinar, pelo menos, que “sua língua será obrigatória no nosso sistema educacional se a nossa língua for obrigatória no seu”?

Se há milhares de línguas no mundo (entre as quais muitas nativas de milhões de indivíduos, como o russo, o híndi, o alemão, o mandarim, o árabe...), será que a língua de um povo pode ou deve ter privilégios sobre as dos outros? Tais privilégios se sustentam sem um apoio tácito ou explícito de outros governos? Será que é digno e lícito a um segundo povo promover “distraidamente”, inclusive com investimentos públicos, tais privilégios? A formação e qualificação de professores, a criação de programas e incentivos em prol da proficiência em certa língua estrangeira e tudo o mais que se faça nesse sentido não serviria apenas para agravar um “pecado original”? Não se torna mais irreversível um erro na proporção em que melhor se caminha na direção errada? O que o Brasil, por exemplo, enquanto nação e enquanto povo, teria a ganhar, se (por um milagre às avessas) o alunado em geral alcançasse proficiência máxima em inglês? Isso poderia ser de fato computado como uma vitória da educação (logo, da cidadania brasileira), ou muito pelo contrário?

O despretensioso e ingênuo conjunto de indagações que constitui este artigo pretende apenas ousar um olhar noutra direção, alheio ao MEC, ao senso comum e à grande imprensa. Talvez equivocadamente, ele parte do pressuposto de que o óbvio ululante nem sempre é considerado. Ao mesmo tempo, pressupõe que os cidadãos podem “dar palpite” em decisões de governo e que, na área de política do ensino de línguas, haveria ainda alguma margem para novas propostas. Entretanto, é possível que o egrégio governo brasileiro e a elite intelectual do país já tenham feito a sua definitiva opção de que “você precisa aprender inglês”, de que levantar a hipótese de se adotar uma língua internacional politicamente neutra deve permanecer fora de cogitação.

Está mesmo fora de cogitação o ensino público de uma língua internacional qualificada, como o Esperanto? A humanidade, que já se aventurou com o egípcio antigo, o latim, o grego, o francês e tantas línguas hegemônicas, vai insistir indefinidamente na internacionalização de uma língua nacional, ou vai adotar uma língua internacional de verdade? O problema da comunicação verbal direta entre os povos pode ser resolvido decentemente, ou nos assumimos definitivamente incompetentes para resolvê-lo – mesmo dispondo de eficaz instrumento? Um problema da humanidade não é também um problema de cada povo? Não caberia ao Brasil ser proativo nesta questão, como tem sido em outras?... Concluindo: por que o Governo brasileiro, ao invés de deixar gerações de esperantistas à margem das instituições, estudando a língua sem contrapartida, por sua conta e risco, não passa a fomentar por meio de políticas públicas de ensino essa energia espontaneamente gerada?

Dentre todas essas perguntas, bastaria o governo brasileiro dar uma resposta para esta última. Mas fazê-lo serenamente, apenas depois de acuradísssima análise das características da interlíngua proposta – conforme fez a Unesco, antes de passar a recomendar reiteradamente o Esperanto como língua-ponte a todos os povos.