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Falar uma segunda língua, sim – mas em que nível?

09/05/2013 20:01

 

(um depoimento com ponderação)

Por Afonso Camboim

Coloco-me na perspectiva do jovem estudante de “língua estrangeira moderna” – LEM, no ensino fundamental ou médio, numa escola pública de qualquer cidade brasileira. É facílimo, porque além de ser a realidade de quase todos, foi também a minha, ex-aluno de inglês e de francês, e a dos meus filhos. Tenho 52 anos, sou licenciado em Letras, mestre em Teoria Literária, e não falo nenhuma língua estrangeira. Meus filhos também não, embora tenham estudado nos Centros Interescolares de Línguas – CILs da Asa Sul (Brasília), situados entre as melhores escolas públicas de línguas do País. A prole continua estudando inglês, UnB adentro.

É fato. Estudamos línguas estrangeiras por quase uma década (no meu caso inglês, francês, latim e um pouquinho de espanhol) e não falamos nenhuma. Seríamos um caso à parte? De forma nenhuma. Um mínimo de esclarecimento e de honestidade do leitor, jovem ou adulto, universitário ou graduado, inclusive muitos professores (de língua estrangeira!), lhe obrigará a admitir simplesmente que também não fala.

Há as exceções, claro: principalmente a dos que têm uma extraordinária facilidade, além de tempo e dinheiro, para aprender idiomas (casos raros); a dos que residiram/estudaram por um bom tempo no exterior; e a dos que são rigorosamente obrigados pela profissão, como o professor do respectivo idioma de um modo geral. EXCEÇÕES.

Há também os que entendem tão pouco de língua a ponto de acharem que “dominam o inglês”, por exemplo, porque decoraram algumas palavras soltas e frases cotidianas, que repetem com um entrópico e incontornável sotaque de estrangeiro; ou os que, quais afásicos, aventuram-se com esforço a “formular” frases sem a menor garantia de que estariam mesmo reproduzindo com um mínimo de fidelidade o próprio pensamento ou o matiz semântico pretendido. Nessa desconfortante situação encontra-se, com certeza, a maioria dos “anglófonos”, dentre os 6% da população mundial que “aprendeu” inglês como segunda língua – outros 6% são falantes nativos, o que totaliza o universo anglofônico de 12% da humanidade (apenas).

A “catástrofe” do amplo desconhecimento da língua estrangeira que se estuda, aliás, é denunciada cotidianamente pela imprensa, porém como se fosse mais uma aberração produzida pelo governo ou pela escola. Sinto decepcionar certos agentes da mídia, mas é preciso que se reconheça que este é um caso em que não adianta pôr a culpa no governo ou na escola, muito menos nos professores ou nos alunos. Quando se trata de língua vernácula, a falta de proficiência pode ser atribuída a esses "culpados"; quando se trata de língua estrangeira, não: o problema é mais embaixo. O núcleo da questão (que geralmente é negligenciado) é o conglomerado de dificuldades intrínsecas de se falar uma segunda língua natural: as irregularidades ou alogismos inerentes às línguas naturais, a readaptação dos órgãos articulatórios para a pronúncia, o redobrado esforço mnemônico para a incorporação semântico-vocabular e a mais ou menos traumática “afasia pré-proficiência” (fase em que estaciona a grande maioria dos estudantes de LEM). A culpa de todos restringe-se a negligenciar uma verdade gritante: a de que é dificílimo ter proficiência (pensar) em uma língua estrangeira.

Ao aprendermos na infância a língua materna, a faculdade da linguagem, inerente a todo ser humano, adere intensamente a esse primeiro código linguístico a ela disponibilizado, que passa a se consubstanciar como a forma individual de manifestação do eu mediante a linguagem. A adesão a um segundo código linguístico a ponto de nele poder codificar ou decodificar a linguagem verbal, mediante escuta ou leitura, produção oral ou escrita, implica complexos descondicionamentos e recondicionamentos, e por isso está longe de ser fenômeno banal para a maioria das pessoas, ditas “normais”. Aqui começa o problema, que se fortalece em função da diferente “lógica interna” do novo código linguístico e de sua particular psicologia.

Afirmo, sem vergonha ou constrangimento, que não falo nenhuma língua estrangeira, justamente porque, na condição de professor de português, autor de livro premiado, conferencista, criador de poemas e ensaios, revisor de textos, sei muito bem o que é falar uma língua e conheço muito bem os desafios da verbalização – mesmo na língua materna. Ouso dizer que tenho proficiência em português (apesar de não dominar ativamente uma infinidade dos seus elementos - como o vocábulo... profligar), apenas porque meu pensamento elabora-se naturalmente nesta língua; porque nela posso entender claramente quase tudo o que se diz e por ela expressar, na fala ou na escrita, quase tudo o que pretendo. Nas línguas estrangeiras que estudei essa capacidade não chega a 5%, o que ficaria sobejamente demonstrado se eu tentasse (mesmo com a ajuda de gramáticas e dicionários) escrever o presente artigo em qualquer uma delas, ou nelas discutir (principalmente perante falantes nativos) temas do cotidiano como o vegetarianismo ou a internacionalização da Amazônia. “Falar uma língua” nesse nível (com um bloqueio de uns 95%), além de ato frustrante, não passa de grave afasia induzida – sem lesão cerebral. Tal nível não faculta falar, mas apenas balbuciar a língua. Não falo, pois, nenhuma língua estrangeira, por um motivo básico: nunca consegui ser eu em nenhuma delas.

Não é possível demonstrar, em tão minúsculo artigo, todos os elementos cognitivos implícitos no ato de falar uma língua, ou seja, de dominá-la num nível mínimo em que valha a pena arriscar-se a utilizá-la, com foco no pensamento e não na gramática, sem ter de exaurir-se mentalmente na distinção dos vocábulos, dos conectivos, das concordâncias, das conjugações, das ortografias, das pronúncias, das exceções... Mas o aluno em geral intui, ou constata com um mínimo de autocrítica, que aquela “fácil fluência” que tão habilmente conquistou na sua língua materna simplesmente não se manifesta na segunda língua, após anos de estudo, repetição e treinamento. Sente-se deficiente, como de fato passa a ser naquele campo, mas observa que não é exceção; e, desestimulado, acomoda-se em meio à regra, em que todos fazem “o possível”: decoram “fragmentos de língua”, a fim de não serem “reprovados de ano”.

Há, pois, um sério problema. Gastam-se tempo, esforços e muitos recursos públicos, com necessariamente baixa possibilidade de retorno, na expectativa ilusória de que os alunos alcançarão proficiência em uma língua estrangeira: um investimento de anos e bilhões para o indesejado resultado, quase sado-masoquista, da afasia e do balbucio. No que toca à gestão, avalie o governo. No que toca ao estudante, por que mantê-lo nesse suplício frustrante (ainda que dele não tenha nítida consciência)? Aqui está a culpa do governo e da escola. Já que é inviável  disponibilizar aos estudantes escolas dotadas de recursos instrucionais modernos, acompanhamento psicológico, carga horária compatível e verbas necessárias para viagens de “imersão” aos países falantes das respectivas línguas (o que decerto atenuaria o problema exposto), por que não buscar alguma alternativa?

Que alternativa? - perguntaria o leitor. Por que não o Esperanto? - eu responderia. Estudarmos uma língua estrangeira seria mesmo imprescindível, se a) o resultado fosse a proficiência; e b) se essa língua, enfim aprendida, bastasse para facultar o intercâmbio com a cultura de todos os povos. Já que as evidências mostram que não ocorre uma coisa nem outra, cogita-se o Esperanto por apresentar relevante diferencial. Vários experimentos científicos realizados em universidades demonstraram que o Esperanto tem valor propedêutico (favorece a aprendizagem de línguas) e que, por ser uma língua planejada e lógica, com gramática compacta e regular e com pronúncia facilitada por um alfabeto fonético, pode ser aprendida com 10 a 20% do tempo/esforço gasto no aprendizado das outras línguas. Além disso, na medida em que os povos, motivados por isso, crescentemente adotam essa interlíngua, ela tende a se tornar efetivamente uma língua-ponte mundial. Desse modo, ela atenua significativamente os dois problemas acima citados, pois favorece em mais de 80% o fator proficiência e tem um elevado potencial de maior abrangência entre os povos.

Não poderia encerrar este depoimento sem acrescentar um “detalhe”: a segunda língua em que começo a sentir-me proficiente não é uma língua estrangeira: é justamente o Esperanto, que aprendi por iniciativa própria, sem escola e sem professor, por ser mais fácil, por pertencer à humanidade e por abrir a possibilidade efetiva de uma comunicação internacional eficaz, não mais que bilíngue. O problema que aqui apresentei, portanto, tem solução: o bilinguismo língua vernácula X Esperanto. Basta os estudantes perceberem e os governos quererem. Mãos à obra!